Pipocas
Por Rubem Fonseca
O milho – ainda não estou falando da pipoca – é originário das Américas. O nome científico dessa gramínea, zea mays, foi tirado da língua dos taianos, um povo indígena das Antilhas, já extinto. Colombo teria levado essa planta para a Europa, e os portugueses a espalharam pelo resto do universo. Hoje é o terceiro cereal mais produzido no mundo, depois do trigo e do arroz. O nosso vocábulo milho é, possivelmente, uma derivação de mil, em razão da quantidade de grãos da espiga fêmea do dito.
A pipoca é o grão de uma variedade de milho, que levado ao fogo com algum tipo de gordura arrebenta aumentando de volume. O vocábulo, em nossa língua, vem do tupi, pipóka, que significa "estalando a pele". Sim, os índios comiam pipoca. Na verdade, o ser humano comeu milho pela primeira vez em sua história na forma de pipoca. Espigas encontradas numa caverna do Novo México teriam 5.600 anos de idade. Os índios punham a espiga em areia aquecida pelo fogo, e a mexiam até que estourasse. A pipoca foi o primeiro uso do milho como alimento.
O seu consumo foi se difundindo pelo mundo. A partir do final do século XIX, tornou-se extremamente popular nos Estados Unidos. Em 1885, Charlie Cretors inventou uma maneira de fazer pipoca em um utensílio que podia ser empurrado a pé, puxado por um cavalo ou veículo motorizado e levado até onde estavam os consumidores. A parafernália de Cretors acabou sendo transferida da porta para dentro do recinto dos cinemas e até hoje a sua invenção continua sendo usada, com pequenas modificações, tanto nas casas de espetáculos quanto nas carrocinhas.
Os americanos comem mais pipoca que todos os povos do planeta. Durante a Grande Depressão, como a pipoca era muito barata, esse era o único "luxo" que as famílias dos americanos pobres podiam usufruir. Com a crescente propagação do cinema o consumo da pipoca aumentou ainda mais. Cinema e pipoca fizeram um casamento perfeito, no mundo inteiro.
Nos anos 1950, quando a televisão se tornou corriqueira, causando forte diminuição na freqüência aos cinemas, o consumo da pipoca caiu de maneira acentuada. Mas aos poucos o público habituou-se a comer pipoca em casa vendo TV e o grão voltou a tornar-se popular. Nos Estados Unidos são consumidos anualmente milhões de metros cúbicos de pipoca.
Para os americanos, tempo é dinheiro e o trabalho doméstico enlouquece as donas de casa. Por isso, não demoraram a inventar e difundir pelo mundo o microondas, que foi originalmente criado para fazer pipoca. Em 1945 um sujeito chamado Percy Spencer descobriu que o grão desse milho especial estourava quando era submetido à energia de ondas curtas. Isso levou a experiências com outros alimentos e ao surgimento do forno de microondas.
Como se deve fazer e comer pipoca?
O microondas deve ser evitado. Esse aparelho perverte o gosto do grão, tornando-o mais uma festifude (ainda não existe no dicionário) de gordura hidrogenada. Os infelizes, preguiçosos ou muito ocupados, que só provaram a microwave popcorn, podem achá-la palatável. Mas qualquer outra é melhor que ela, até mesmo essas de carrocinha, feitas com óleos de origem suspeita. Que esses pobres diabos façam nos microondas os seus ovos estralados de gemas perfuradas, mas não corrompam a pipoca, que deve ser preparada de maneira artesanal, em um fogão, utilizando recipientes adequados fáceis de encontrar entre as panelas de qualquer cozinha. Há apreciadores intransigentes que afirmam que a melhor pipoca é aquela feita em fogão de lenha, mas não precisamos chegar a tanto.
Existem pipocas com centenas de sabores diferentes, assim como existem pizzas de banana e salsichas de carne de galinha. Não aceite invencionices, pipoca tem que ser pura e pode ser preparada em casa, artisticamente, usando em quantidade suficiente a substância correta para ajudá-la a estourar, de preferência manteiga. A pipoca, depois de pronta, não deve sair engordurada do recipiente, mas sim seca, crocante, clara, permitindo vislumbrar a leve coloração amarelada do seu interior. O sal deve ser posto depois, ao gosto do consumidor, mas ele não é imprescindível. Quem não quer usar o cloreto de sódio, por motivos medicinais ou outros, habitua-se facilmente a degustar a pipoca sem esse tempero. Em seguida, você deve saboreá-la assistindo a um filme (na TV, em VHS, antes que ele acabe, ou em DVD) em boa companhia ou mesmo desacompanhado – a pipoca alivia a solidão. Comer pipoca lendo um livro é também agradável, mas deve ser evitado, pode sujar os dedos e as páginas do volume, um pecado sem perdão. E não encha a boca de grãos, pegue um ou dois e mastigue devagar, pipoca não é mata-fome, é para ser apreciada com requinte epicurista.
O melhor é mesmo comer pipoca vendo um filme em tela grande. Os índios provavelmente gostavam de comer as suas pipókas contemplando o vôo de pássaros canoros durante o pôr do sol, um espetáculo com som, cores e movimento – o cinema é isso.
Cinema e pipoca: não existe uma união mais perfeita. Vá comer pipoca no cinema, é um procedimento universal. Mas não faça barulho, cuidado com os sacos de papel, eles podem emitir um ruído desagradável, se forem mal manipulados. Cinema é para ser visto em silêncio.
Conforme a minha lembrança, os cinemas da cidade onde vivo há muitos anos – estou falando do Rio de Janeiro e cercanias, mas aí na sua cidade a história talvez seja igual – sempre tiveram pipoca para oferecer aos seus freqüentadores.
Os bons cinemas metropolitanos de antigamente, locais enormes e imponentes, com largos saguões, platéia e balcões, forneciam pipoca em sacos de papel. Você precisava usar paletó e gravata para ingressar no São Luiz, por exemplo, até mesmo nas matinês. Hoje nem o Teatro Municipal, não importa se o espetáculo é de ópera, música sinfônica ou balé, exige essa formalidade. Os grandes cinemas, como o São Luiz original, acabaram; outros, como o Roxy, em Copacabana, o Palácio, no centro, o Leblon, no bairro do mesmo nome, transformaram-se em várias salas menores. Mesmo assim, a sala 1 do Palácio é a maior do Rio, com 974 lugares.
Muitas salas pequenas surgiram no Rio, parte localizada em shoppings ou centros culturais. A menor sala é a da Casa França-Brasil, no Centro, com 53 lugares, e funciona apenas de terça a domingo. Outras salas com poucos lugares, como a do Instituto Moreira Salles, na Gávea, e a do Centro Cultural Banco do Brasil, no Centro, funcionam, como a França-Brasil, em centros culturais que oferecem inúmeras atrações aos seus visitantes, mas não pipoca. Essa falta pode ser notada ainda em algumas novas salas, mas felizmente outras, como as do Estação Ipanema, que antes vendiam apenas cafezinho, balas e guloseimas, passaram a oferecer também pipoca, certamente sabendo que os cinéfilos sofisticados que as freqüentam gostam de pipoca da mesma maneira que o espectador simplório. Mas a maioria dos cinemas ainda tem pipoca. Às vezes ela é feita numa máquina automática, como nas salas do Nilópolis Square, ou nas do Estação Botafogo. Você coloca uma ficha, aperta um botão e a pipoca já sai ensacada, mas o produto tem um gosto medíocre. Pipoca não pode ser feita sem um mínimo de intervenção direta da vontade e da inteligência humanas, inexistentes nos processos estritamente mecânicos.
Os novos complexos de exibição cinematográfica, na Barra da Tijuca, em Botafogo e outros bairros, com suas dezenas de salas, vendem a pipoca em recipientes de vários tamanhos, mas ela é amarela e enjoativa, em nada compatível com a excelência do som e da imagem dos filmes que exibem. Das quatro salas do Fashion Mall, em São Conrado, apenas uma delas, creio que a sala 3, a maior, tem uma boa pipoca; todas exibem bons lançamentos, mas precisam de algum refinamento na projeção e no som.
Atualmente, a melhor pipoca dos cinemas do Rio me parece ser a do cinema Leblon, hoje dividido em duas salas. Já fiz o teste várias vezes, e a qualidade tem se mantido inalterada há bastante tempo.
Tenho medo de que um dia o Leblon, que tem projeção e som de aceitável qualidade, abandone a pipoca e em seu lugar passe a oferecer café expresso aos freqüentadores, para ser consumido na sala de espera – tente assistir a um filme bebendo cafezinho – e que outros cinemas também sigam este mau exemplo de exclusão. Café expresso é uma delícia que pode ser provada em inúmeros lugares da cidade, até mesmo em açougues, como o Talho Capixaba. Mas pipoca boa, fora de casa, já que as das carrocinhas decaíram muito, só existe nos cinemas, o lugar ideal para ser desfrutada. É preciso preservar essa tradição.